CFN publica dura nota contra o projeto “Alimento para todos”, da Prefeitura de São Paulo

25/10/2017 - 06:10

O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) publicou nesta semana uma contundente nota firmando posição contra o projeto Alimento para Todos, lançado em 8 de outubro pela Prefeitura de São Paulo, em parceria com a ONG Plataforma Sinergia. Esse projeto foi anunciado pelo prefeito paulista João Dória Júnior sob o pretexto de combater o desperdício de alimentos e a fome no município.

O CFN, sempre atento às demandas da população, lembrou que nos anos 1980 o Ministério da Saúde vetou a indicação da multimistura para suprir as deficiências nutricionais. Além disso, o órgão atesta que as propostas “violam o direito à alimentação e ao acesso aos alimentos afetam frontalmente os princípios da Losan e do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e seguem na contramão de todos os avanços alcançados com as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional”.

Confira abaixo a nota do CFN na íntegra.

 

Alimentação é direito, não sobras!

O Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) alerta a população sobre a iminente ameaça ao direito à alimentação, assegurado no artigo 6º da Constituição Federal, e aos princípios da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), defendidos pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), instituída no Brasil desde 2006.

O projeto Alimento para Todos, lançado em 8 de outubro, pela Prefeitura de São Paulo, em parceria com a ONG Plataforma Sinergia, sob o pretexto de combater o desperdício de alimentos e a fome no município paulista e que preconiza, também, que as empresas doadoras de insumos alimentícios podem receber isenção de impostos e outros benefícios fiscais, infere que o alimento in natura e minimamente processado pode ser substituído por uma fórmula ultraprocessada a partir de alimentos que estão em datas críticas de seu vencimento ou fora do padrão de comercialização.

Na década de 80, iniciativa similar, um produto denominado Multimistura, foi largamente distribuído para a população e se revelou ineficaz no combate à desnutrição, principal argumento utilizado na época para sua disseminação. O alerta do CFN é direcionado, também, as autoridades governamentais, pois já nos anos 80 o Ministério da Saúde vetou a indicação da Multimistura como sendo um produto para suprir as deficiências nutricionais.

Propostas que violam o direito à alimentação e ao acesso aos alimentos afetam frontalmente os princípios da Losan e do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e seguem na contramão de todos os avanços alcançados com as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional. Tais medidas são uma distorção do que vem a ser a “comida de verdade”, baseada em princípios da comida como patrimônio imaterial nacional, produzida de forma socialmente justa, variada, equilibrada, moderada e prazerosa.

O Direito Humano à Alimentação Adequada é um direito constitucional que deve ser garantido a partir de duas dimensões: estar livre da fome e da desnutrição e ter acesso a uma alimentação adequada e saudável que respeite a dignidade, os valores humanos e culturais e que não esteja sujeito aos interesses de mercado.

Para o Conselho Federal de Nutricionistas, o projeto da Prefeitura de São Paulo é um retrocesso sobre a concepção do alimento, da sua dimensão como produto da história e da cultura de um povo, de identidade, de sentimento e de pertencimento social. O CFN ressalta que, até o momento, não foram informadas as referências em relação a composição nutricional, modo de fabricação, valor nutritivo, responsável técnico e outros dados sobre o produto. Ao que tudo indica, as possíveis propriedades nutritivas vão depender dos produtos utilizados na base do processamento.

O Guia Alimentar para a População Brasileira afirma que uma alimentação saudável não é meramente uma questão de escolha individual, mas envolve outros fatores – de natureza física, econômica, política e cultural, negligenciados na proposta da prefeitura paulista.

O CFN tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e contra o desperdício de alimentos, em especial, na etapa do consumo, e ressalta a importância de políticas já existentes como o programa Banco de Alimentos, que são públicos, bem-sucedidos e estão em curso no Brasil. Esse programa é uma iniciativa de abastecimento e segurança alimentar, que coleta os produtos não comercializados pelos atacadistas e produtores rurais em diversas unidades de Ceasa. Também recebem alimentos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com o objetivo de garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e promover a inclusão social no campo, por meio do fortalecimento da agricultura familiar. Os alimentos dos bancos são selecionados e distribuídos, gratuitamente, às entidades socioassistenciais e às famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional, previamente cadastradas, como forma de complementar as refeições diárias da população assistida.

Também é preciso ressaltar que outras políticas públicas brasileiras, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), têm sido copiados por outros países exatamente por sua eficácia e por estarem respaldadas pelos princípios do direito humano e da segurança e soberania alimentar e nutricional. Para o CFN é preciso garantir que as políticas de segurança alimentar e nutricional sejam efetivamente asseguradas para toda a população, com ações estruturantes, e não substituídas por medidas paliativas que reforçam as condições de pobreza, exclusão e desigualdade social.

O CFN é veemente contra a proposta da Prefeitura de São Paulo e defende que seja assegurado para toda a população o direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentar promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

Nesse sentido, alertamos a sociedade para resistir e a se contrapor a toda e qualquer possibilidade de um desastre ainda maior caso iniciativas como essa tomem proporções nacionais, ferindo os princípios da dignidade humana e contrariando todas as políticas públicas de combate à fome e à pobreza que o Brasil acumulou de maneira extremamente exitosas.

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