FBSSAN divulga manifesto elaborado na V Conferência Nacional de SAN

22/04/2016 - 03:04

O Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimenta e Nutricional (FBSSAN) divulgou, em primeira mão, na última segunda (18), durante o Encontro sobre Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional um manifesto dirigido às organizações e movimentos sociais, aos organismos multilaterais, organizações internacionais, governos nacionais e à sociedade em geral, elaborado durante a V Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (V Consan), realizada em 2015.

Representantes de 30 países assinaram o manifesto em favor da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). O FBSSAN foi criado em 1998 e articula pessoas, organizações, redes, movimentos sociais e instituições de pesquisa na luta pelo direito humano à alimentação. Busca sensibilizar a sociedade para uma visão mais ampla da questão, trabalhando com variadas perspectivas do sistema alimentar: produção, processamento, abastecimento e consumo.

Leia o manifesto abaixo ou clique no link para baixar o arquivo:

MANIFESTO ENCONTRO INTERNACIONAL 

Os participantes do Encontro Internacional, prévio à abertura da 5ª Conferência Nacional de SAN, oriundos de 30 países de várias regiões do mundo, reunidos para debater os desafios da participação social em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) em espaços e iniciativas internacionais, a partir do olhar sobre experiências como a: i) o Mecanismo da Sociedade Civil (MSC) do Comitê das Nações Unidas para a Segurança Alimentar Mundial (CSA); ii) do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidades dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), iii) da Reunião especializada da Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul; iii) e das articulações da sociedade civil no âmbito da CELAC, consideraram que:

  • os espaços de participação são fundamentais para as conquistas da agenda da SSAN e a garantia do DHAA, pelos esforços de pactuação de conceitos e enfoques, o fortalecimento das organizações da sociedade civil e movimentos sociais para a participação ativa e incidência politica, o aprofundamento de alianças regionais e internacionais, e a adoção de políticas públicas construídas a partir da interlocução entre sociedade civil e governos;
  •  os avanços no enfrentamento da fome e outras manifestações da má-nutrição, como se verificou na América Latina e Caribe e em outras regiões do mundo, dependem da junção entre compromisso político de governantes, construção de uma visão intersetorial pautada no enfoque compartilhado de SSAN e de valorização da agricultura familiar, camponesa e indígena e outras identidades de povos e comunidades tradicionais, e do fortalecimento dos espaços nacionais e regionais de participação social na formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas;
  • um grande desafio que ainda se coloca em muitos países é a incorporação de experiências de participação social às realidades nacionais de forma a dar visibilidade às distintas concepções e aos conflitos, debatendo abertamente as opções em termos de estratégias desenvolvimento e políticas públicas;
  • no cenário internacional há um processo de captura corporativa dos espaços de governança e participação, em particular no campo da nutrição, intensificando as ofensivas em relação às leis de terra e sementes para a entrada de grandes corporações, como ocorre em África, e também a tendência de redução da concepção do DHAA para uma visão restrita à ajuda alimentar, por vezes baseada na concepção de importação de alimentos;
  • são preocupantes as iniciativas que implicam substituir os espaços públicos de diálogo e tensionamento entre sociedade civil e governos, que contam com mecanismos próprios para a facilitação da participação de movimentos sociais e da sociedade civil, por concepções de estratégias denominadas de arranjos multi-atores (multistakeholders) nos quais se pretende nivelar a participação de governos, sociedade civil, entidades privadas e organismos internacionais, abrindo espaço para a captura corporativa;
  • são preocupantes os efeitos das mudanças climáticas nos sistemas de produção familiar e outros modos de vida, que incrementam a vulnerabilidade e a Insegurança alimentar e nutricional dos povos;
  • são preocupantes acordos internacionais, como os que vêm sendo feito no âmbito da Aliança G8 pela Segurança Alimentar e Nutrição em África, centrados no aumento da produtividade e tecnificação da agricultura e na perspectiva de uma nova Revolução Verde para a África, especialmente no que diz respeito à violação do direito a terra, água e as sementes;
  • devem ser dadas especial atenção as sessões do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre empresas transnacionais e direitos humanos (em Genebra), pela expectativa do estabelecimento de um mecanismo vinculante que regule a ação de empresas transnacionais em relação ao DHAA;
  •  são ainda lentas as respostas dos países mais ricos e dos organismos internacionais quanto a garantia do DHAA, relacionadas aos fluxos migratórios intensificados pelas mudanças climáticas, usurpação de terras, tráfico de drogas e demais violências sociais;
  • a ampliação da Cooperação Sul-Sul nas áreas de SSAN e DHA merece acompanhamento sistemático, principalmente em razão da difusão de perspectivas dissonantes e por vezes conflitantes em suas perspectivas sobre as formas de promoção da SSAN em âmbito global e nos países, carecendo de um enfoque de cooperação a ser construído a partir dos princípios da Soberania Alimentar e do DHAA, de uma perspectiva horizontal de compartilhamento de políticas e experiências e da adaptação às realidades locais;
  • a importância da cooperação para a alimentação escolar e de aquisição de alimentos para a agricultura familiar camponesa e indígena enquanto importantes iniciativas de cooperação internacional brasileira.

Nesse contexto, os participantes do Encontro Internacional aprovaram o presente manifesto dirigido às organizações e movimentos sociais, aos organismos multilaterais, organizações internacionais, governos nacionais e à sociedade em geral, afirmam que:

  • a agricultura familiar, camponesa e indígena e outras identidades de povos e comunidades tradicionais desempenham papel estratégico para a garantia da SSAN e do DHAA;
  • a garantia de todos os direitos humanos das mulheres, em pé de igualdade com os homens, é central para a superação da má nutrição em todas suas formas, ao promover a autodeterminação e autonomia da mulher no controle sobre seu corpo e sua vida, e sua participação na elaboração, decisão e implementação de políticas públicas;
  • o direito humano à alimentação não pode ser desassociado do direito à nutrição, indivisível, tendo como pilar os direitos humanos das mulheres e a soberania alimentar;
  • os alimentos constituem bem comum e requerem a construção de pontes entre o campo e as cidades, entre consumidores e produtores para gerar alianças para a luta para a soberania alimentar e o DHAA.

E recomendam:

1. o fortalecimento dos espaços públicos multilaterais de governança da SSAN e do DHA, com efetivo engajamento dos governos nacionais, e a participação continuada da sociedade civil organizada coloca-se como imperativo permanente, inclusive como contraponto à captura corporativa que compromete direitos;

2. o financiamento para o CSA e seu mecanismo de participação da sociedade civil deve ser assegurado;

3. a aplicabilidade, monitoramento e prestação de contas das decisões que são tomadas em espaços regionais e globais de SSAN devem ser asseguradas, como é o caso das diretrizes voluntárias da terra, ratificadas no âmbito do CSA, e do grupo de trabalho das ONU sobre corporações e DH;

4. a promoção das articulações, globais, regionais e nacionais, das organizações e movimentos sociais devem ser apoiadas e ampliadas por meio do intercambio de experiências e a expansão de processos de formação de representações, com enfoque multinível (local, nacional e internacional);

5. a promoção da complementaridade dos processos de integração regional em torno do tema do DHAA e da SSAN, a luz da experiência da REAF;

6. o fortalecimento dos Mecanismos de participação da sociedade civil no âmbito da CPLP;

7. a criação de pontes entre África e América Latina e Caribe para a promoção do DHAA e SSAN promovendo a articulação entre a sociedade civil e movimentos sociais dos dois continentes;

8. a ampliação da participação social em espaços de governança do norte, a luz das experiências do CSA e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) brasileiro, considerando os altos investimentos em políticas alimentares alocados pelos países da União Europeia e dos EUA;

9. o apoio a pesquisa e produção de conhecimento e análises sobre os desafios e avanços para a SSAN, como forma de facilitar a apropriação de lições aprendidas e o intercambio de experiências entre os países;

10. a pactuação de uma concepção de cooperação Sul-Sul em SSAN e DHA por parte dos governos, sociedade civil e organismos internacionais, que: (1) promova políticas nacionais intersetoriais e participativas, transparentes e com controle social, (2) restrinja ou vede todo o processo de cooperação que põem em causa o princípio da soberania alimentar a nível nacional, regional e internacional, tais como o ProSavana; (3) substitua a tradicional visão de transferência de políticas públicas, por uma concepção horizontal de parceria e construção compartilhada de capacidades, que valorize o intercâmbio e a cooperação entre a sociedade civil dos vários países do Sul global;

11. a continuidade e a sustentabilidade financeira do PAA África (Purchase for Africans to Africa) considerando o seu papel para a promoção de sistemas locais de produção, abastecimento e consumo, o fortalecimento da agricultura familiar e da alimentação escolar, desde uma perspectiva de compras locais de alimentos.

Por fim, valorizam a oportunidade de participar da 5a Conferência NSAN, ao mesmo tempo em que reafirmam a relevância da experiência brasileira enquanto referencia de participação social na agenda de SSAN e conclamam pela necessidade de uma cooperação internacional que compartilhem estas experiências.

Brasília (DF), 04 de Novembro de 2015 

Carta politica internacional final Potugus_Nov2015


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