Contra obesidade, entidades querem que comida seja regulada como tabaco
21/05/2014 - 02:05
No verso de um pacote de salgadinhos, uma imagem estampa os malefícios à saúde causados pela obesidade, à semelhança do que já existe nos maços de cigarro. Esse tipo de embalagem ainda não existe no mercado, mas faz parte de um conjunto de reivindicações de entidades de promoção da saúde junto a fabricantes de alimentos e bebidas.
Duas delas, a Consumers International (que organiza campanhas internacionais em defesa do consumidor) e a Federação Mundial de Obesidade lançaram nesta semana uma convocatória global para que os governos regulem esse setor de forma semelhante ao que já fazem com a indústria do cigarro. Na avaliação de representantes dessas organizações, a obesidade oferece hoje mais riscos à saúde humana do que o tabaco.
Dados mostram que os quilos extras estão entre as três principais causas de mortes no mundo, ao lado do tabagismo e do álcool. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a OMS, 35% dos adultos acima de 20 anos se encontram acima do peso, enquanto que 11% são considerados obesos. Os dados são de 2008. No Brasil, estatísticas recentes do Ministério da Saúde apontam que pouco mais da metade da população (50,8%) tem sobrepeso, sendo 17% obesos.
Segundo as entidades, governos ao redor do mundo deveriam criar um arcabouço regulatório global para a indústria de alimentos e bebidas, nos mesmos moldes do que já existe para a venda de cigarros. Tanto a Consumers Internacional quanto a Federação Mundial de Obesidade afirmam que as mortes globais devido à obesidade e ao sobrepeso aumentaram de 2,6 milhões em 2005 para 3,4 milhões em 2010.
Novas regras – As novas regras incluiriam, de acordo com as entidades, uma redução dos níveis de sal, de gordura saturada e de açúcar nos alimentos, além de uma melhoria na comida servida nas escolas e hospitais. As organizações também reivindicam um controle mais rígido da propaganda de alimentos e uma maior promoção por parte dos governos de hábitos saudáveis de alimentação.
A Consumers International e a Federação Mundial de Obesidade acrescentaram que as gorduras trans, um dos maiores vilões da obesidade, devem ser abolidas de todos os alimentos e bebidas nos próximos cinco anos. Para que essas ideias saiam do papel, as entidades sugerem que os governos revejam os preços dos alimentos, introduzam impostos, alterem os padrões de regulação existentes e incentivem pesquisas na área médica.
Segundo Luke Upchurch, da Consumers International, a indústria de alimentos deveria ser tratada de forma semelhante à do tabaco. “Queremos evitar uma situação como a dos anos 60, quando as fabricantes de cigarro diziam que não havia nada de errado com seus produtos, que eles eram bons para a saúde e 30 a 40 anos depois milhões morreram”, disse Upchuch à BBC. “Se não tomarmos uma atitude agora, teremos a mesma intransigência e a morosidade na indústria de alimentos”, acrescentou. Ele diz que as nova regras deveriam ser discutidas no âmbito “global”, o que significaria que os governos estariam legalmente obrigados a implementá-las, em vez de simplesmente ignorar a situação.
Brasil – Upchurch afirmou estar confiante de que Brasil e Noruega podem liderar a iniciativa em prol de uma maior regulação da indústria de alimentos. Ambos os países restringiram a publicidade direcionada ao público infantil. “A recente decisão do Brasil é um bom exemplo nesse sentido”, afirmou Upchurch.
Em abril deste ano, o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) emitiu uma resolução em que considera abusiva toda a propaganda dirigida à criança que tem “a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço” e que utilize aspectos como desenhos animados, bonecos, linguagem infantil, trilhas sonoras com temas infantis, oferta de prêmios, brindes ou artigos colecionáveis que tenham apelo às crianças. Ficam de fora, segundo a resolução, campanhas de utilidade pública referentes “a informações sobre boa alimentação, segurança, educação, saúde, entre outros itens relativos ao melhor desenvolvimento da criança no meio social”.
No entanto, associações de anunciantes, emissoras, revistas e de empresas de licenciamento e fabricantes de produtos infantis criticam a medida e dizem não reconhecer a legitimidade constitucional do Conanda para legislar sobre publicidade e para impor a resolução tanto às famílias quanto ao mercado publicitário.
Ação imediata – Para Ian Campbell, clínico e fundador do Fórum de Obesidade Nacional do Reino Unido, a iniciativa “é muito interessante e as recomendações [das entidades] são muito sensatas e práticas”. Campbell diz que, somente quando os governos “aceitarem suas responsabilidades” e colocarem os consumidores antes dos fabricantes, “veremos uma mudança real”. “Uma diferença crucial entre a regulação de tabaco e de alimentos é que nós precisamos de comida para sobreviver, diferentemente do cigarro”, acrescentou ele.
“A obesidade está matando milhares de pessoas todos os anos e só uma atitude dos governos para enfrentar de frente as causas fundamentais da obesidade levará a uma redução significativa desse problema”. Para Tim Lobstein, da Federação Mundial da Obesidade, “se a obesidade fosse uma doença infecciosa, certamente bilhões de dólares seriam aplicados para tentar deixá-la sob controle”. “Mas porque a obesidade é largamente causada pelo consumo excessivo de alimentos gordurosos e açucarados, nós temos visto legisladores relutantes em lutar contra interesses corporativos que promovem esse tipo de comida”. Ele defendeu que os governos tomem uma “decisão coletiva”.
Terry Jones, diretor de comunicação da Federação de Alimentos e Bebidas do Reino Unido, afirmou que os fabricantes britânicos já estão apoiando melhorias na saúde pública por meio de medidas delineadas nas recomendações das organizações internacionais. “A indústria britânica vem atuando em conjunto com governo, entidades de saúde, ONGs e outros acionistas para promover a saúde pública no Reino Unido”.
Segundo Jones, os fabricantes vêm reduzindo o sal, a gordura saturada e as calorias de produtos, fornecendo “o valor nutricional real e promovendo hábitos de alimentação mais saudáveis e um incentivo à atividade física”.
*Colaborou Luís Guilherme Barrucho, da BBC Brasil em Londres
Fonte: BBC Brasil